quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Cruz e Souza

João da Cruz e Souza, poeta, jornalista, professor, nasceu na cidade de Desterro (atual Florianópolis),
Santa Catarina em 24 de novembro de 1861. Filho de escravos alforriados, teve educação cuidada pelos antigos senhores de seus pais. Em 1882 e 1883, viajou pelo Norte do país, como secretário e ponto de uma companhia teatral. De novo em Desterro, integrou-se ao movimento abolicionista, atuando na imprensa. Indicado para uma promotoria pública em Laguna, no interior de Santa Catarina, teve a nomeação barrada devido ao racismo. Em 1885, funda o jornal O Moleque, título que deu lugar à exploração mordaz por parte dos adversários. Em 1890, já no Rio de Janeiro, ingressa no funcionalismo público, como amanuense da Estrada de Ferro Central do Brasil, cargo humilde e pouco rendoso, que não lhe permitia sair da vida de privações. Influenciado pelo movimento decadentista francês, lançou, no jornal Folha Popular, em 1891, com B. Lopes, Oscar Rosas e Emiliano Perneta, o manifesto que viria dar corpo ao movimento simbolista, iniciado com a publicação dos livros Missal e Broquéis. Ao lado das dificuldades financeiras, passou por muitos dissabores na vida intelectual, jamais logrando bom acolhimento nas redações dos jornais e nas rodas literárias. Seu sofrimento, acentuado pela morte do pai e pelo enlouquecimento da esposa, Gavita Rosa Gonçalves, conduziu-o a uma crise, que o levou a adquirir tuberculose, do que viria a morrer.
"Poeta Negro", "Dante Negro", "Cisne Negro"... não são poucos os epítetos colocados nesse poeta que, tendo morrido em 1898, já foi comparado a Mallarmé, Baudelaire, Stefan George e Lautréamont, entre outros escritores de grande importância internacional. Num momento em que o Naturalismo e o Parnasianismo determinavam o cânone literário do país, o aparecimento de ‘Broquéis’ inaugura o Movimento Simbolista no Brasil, adquirindo com Cruz e Sousa (um filho de escravos libertados que, apesar disso, recebeu uma educação aristocrática e se manifestou amplamente a favor do abolicionismo) uma característica inteiramente singular. Se sua originalidade decorre da capacidade criativa e da dedicação, as tragédias da vida não foram menos importantes para a formulação de uma poética simultaneamente pensada e nevrálgica, ou, como já se disse, "selvagem". Com ele, através de uma desconexão lógica da imaginação e de uma multiplicidade significativa da linguagem, a subjetividade se abre, doridamente, a uma misteriosa violência cósmica e ontológica.

IRONIA DE LÁGRIMAS

Junto da morte é que floresce a vida!
Andamos rindo junto a sepultura.
A boca aberta, escancarada, escura
Da cova é como flor apodrecida.

A Morte lembra a estranha Margarida
Do nosso corpo, Fausto sem ventura...
Ela anda em torno a toda criatura
Numa dança macabra indefinida.

Vem revestida em suas negras sedas
E a marteladas lúgubres e tredas
Das Ilusões o eterno esquife prega.

E adeus caminhos vãos mundos risonhos!
Lá vem a loba que devora os sonhos,
Faminta, absconsa, imponderada cega!

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